Uma má gestão pode custar vidas ✈️💵☠️

Recentemente assisti o documentário Queda Livre (disponível na Netflix), que conta o caso de 02 (dois) aviões da empresa Boeing, que caíram subitamente, no pequeno intervalo de 04 (quatro) meses, matando 189 pessoas no mar da Indonésia e 157 na Etiópia.

Além dos acidentes acontecerem em um curto período de tempo, o fato das duas tragédias terem ocorrido com o mesmo modelo de aeronave, trouxe alertas, desencadeando uma análise mais profunda por parte das autoridades competentes.

O contexto

Vamos a um breve resumo para explicar o contexto: A principal concorrente da Boeing, a Airbus, havia lançado um novo modelo de aeronave, que utilizava menos combustível, um dos principais custos das empresas de aviação. Com o novo modelo, a empresa rival que tomou a dianteira nas vendas, levou a Boeing a considerar uma das seguintes decisões:

1)     Construir uma nova aeronave (o que demoraria anos);

2)     Aproveitar o projeto de uma aeronave já existente, com melhorias nos motores para ter maior competitividade contra o modelo da rival;

A empresa optou pela escolha mais lógica, que aparentemente parece ser a nº 2, concorda?! Mas é aí que se iniciaram os problemas:

  • Os novos motores, por serem maiores, precisaram ser colocados em uma posição diferente dos atuais. Nas simulações dos engenheiros da empresa, foi identificado que, durante a decolagem, a aeronave tinha uma tendência a “levantar o nariz”, o que poderia causar a perda da sustentação e uma consequente queda;
  • Para resolver a questão, foi desenvolvido um software chamado Mcas, cujo objetivo é impedir que o jato aumente seu ângulo de ataque — ou seja, que “levante o nariz” — a ponto de perder sustentação;
  • Objetivando aprovação para o lançamento do modelo de uma forma mais rápida, a empresa “omitiu”, aos órgãos de controle, empresas aéreas e dos pilotos, essa nova funcionalidade. Isso, deu-se ao fato que o prazo de aprovação do novo sistema, por parte das autoridades, aumentaria significativamente, e mais, haveria um grande custo, por parte das empresas, na capacitação dos pilotos.

Na prática, aprovar um novo sistema custaria tempo e recurso financeiros à companhia, implicando numa vantagem competitiva para o novo modelo.

A investigação

Após a investigação, as autoridades chegaram à conclusão que os pilotos tinham perdido o controle devido à ação do novo sistema – o Software Mcas, que, aparentemente, continuou a forçar o avião para baixo, contra as ordens dos pilotos, até despencar.

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*crédito da imagem – https://www.airway.com.br/tera-chegado-a-hora-de-aposentar-o-boeing-737/

Em qualquer tragédia desse porte, a dor das famílias que perderam seus entes queridos, por si só, já é impactante, todavia fica ainda mais evidente quando as razões por trás do acidente poderiam ter sido evitadas.

Uma má gestão pode custar vidas ✈️💵☠️

Qual a origem de uma má gestão? Podemos citar diversos fatores, mas um dos mais importantes, sob meu ponto de vista, é a culturaorganizacional.

E afinal de contas, o que é Cultura Organizacional?

A cultura de uma organização, em linhas gerais, pode ser entendida como um sistema simbólico, uma cola social ou normativa que mantém unida uma organização. Expressa os valores ou ideais sociais e crenças que os membros da organização compartilham, manifestam e retroalimentam por meios das ações tomadas no dia-a-dia.

Certa vez, ouvi uma frase que pode resumir bem esse conceito:

“A Cultura é o que fazemos no dia-a-dia.”

A degradação da cultura da empresa

Com a mudança de direção dada por uma nova administração, a empresa, que tinha no seu DNA a qualidade do que fazia, começou a ter um recém direcionamento: cortar custos, acelerar as entregas e fazer de tudo para aumentar o valor das suas ações.  Em outras palavras, a medida de sucesso, a partir de agora, era mensurada por novos parâmetros.

Os impactos dessa mudança

Funcionários que, antes eram reconhecidos por apontar possíveis problemas em projetos, pois preocupavam-se com suas particularidades, agora, eram premiados com a demissão diante de qualquer problema evidenciado. E tais atitudes foram, aos poucos, corroendo a cultura de qualidade da empresa, que levou décadas para ser construída.

Responsabilidade da gestão na formação da cultura

Como reflexo das decisões tomadas pela nova gestão, o senso de propósito e pertencimento da empresa deixou de fazer sentido para os funcionários, uma vez que existia um enorme abismo entre o que era dito e o que era feito.

A cultura que antes era considerada um ponto forte, gradativamente, começou a se tornar tóxica.

A segurança deu lugar ao lucro

O objetivo final da maior parte das empresas é lucrar, mas acredito que as que colocam isso como seu único propósito estão mais propensas a ultrapassar certos limites, legais e éticos, para alcançar os retornos financeiros desejados.

Como dizia Peter Drucker, o pai da administração moderna:

“Uma empresa que visa o lucro é, não apenas falsa, mas também irrelevante. O lucro não é a causa da empresa, mas sua validação. Se quisermos saber o que é uma empresa, devemos partir de sua finalidade, que será encontrada fora da própria empresa. E essa finalidade é criar um cliente.”

Nesse sentido, entendo que a companhia se perdeu, já que a segurança dos seus clientes deixou de ser a sua maior finalidade.

O que os grandes líderes podem fazer?

Todos da organização, sendo líderesou não, possuem um papel relevante na manutenção ou até mesmo na mudança da cultura, mas as ações da alta gestão possuem um impacto ainda mais significativo na cultura organizacional. Por essa razão, os líderes precisam ter uma maior consciência das suas ações e seus potenciais reflexos, diante das situações do dia-a-dia.

Como diz, o escritor Simon Sinek:

“100% dos clientes são pessoas. 100% dos funcionários são pessoas. Se você não entende de pessoas, você não entende de negócios”.

E trazendo essa reflexão para o caso do Boeing, na minha opinião, a degradação da cultura da empresa, causada pela mudança de rumos da alta administração, foi fator determinante para a causa dos acidentes, já que no final das contas, a segurança deu lugar ao lucro. Manchou-se uma reputação centenária, ameaçando sua existência frente ao mercado e, o pior, ainda custou centenas vidas humanas.